Julho, 2019
Hora
(Sábado) 17:00
Endereço
Casa de Arte - Ilha de Paquetá
Detalhes do Evento
Cinema e jazz nasceram juntos e foram as grandes artes do século 20. Gilson Peranzzetta e Mauro Senise celebram aqui a música que saiu das telas para marcar nossas vidas.
Detalhes do Evento
Cinema e jazz nasceram juntos e foram as grandes artes do século 20. Gilson Peranzzetta e Mauro Senise celebram aqui a música que saiu das telas para marcar nossas vidas. O primeiro filme sonoro chamou-se O cantor de jazz (1927), na verdade sobre um cantor de sinagoga, mas já na década de 30 as big bands do Swing ganhavam as telas. E, a partir dos anos 50, o jazz moderno se tornava referência na trilha de filmes mais sofisticados, nos EUA e na Europa. Em troca, certas canções de filmes caíram inexoravelmente nas malhas do jazz. Vale lembrar também que, nas duas ou três décadas de filmes mudos, as salas de cinema contratavam pianistas para acompanhar a projeção com comentários musicais feitos na hora, ou seja, o pianista criava uma trilha sonora, muitas vezes sem ter visto o filme antes, o que reforça esta associação com a música improvisada. (Fats Waller e Count Basie foram pianistas de cinema no começo da carreira.)
Cinéfilos de carteirinha, Gilson Peranzzetta e Mauro Senise exploram esse território em seu novo álbum, Cinema a dois, com arranjos de Peranzzetta e pesquisa de repertório pela produtora Ana Luísa Marinho.
Muitos filmes são logo esquecidos, mas sua música sobrevive. Outros são tão fortes quanto sua música. É o caso de O mágico de Oz e, no entanto, acreditem: sua canção, vencedora do Oscar, quase foi cortada. Achavam que era adulta demais para ser cantada por Judy Garland, uma garota de 16 anos. A canção “baixou” de repente sobre seu autor, Harold Arlen, a caminho de um cinema. Parou o carro onde estava, entre dois símbolos de Hollywood – o Grauman’s Chinese Theater e a drugstore Schwab’s – e ali mesmo rabiscou uma das melodias mais bonitas da história. Salman Rushdie escreveu um livro sobre O mágico de Oz: “Garland, ao cantar Over the Rainbow, fez algo extraordinário: deu ao filme um coração e o impacto de sua interpretação é forte, doce e profundo o bastante para nos fazer passar por toda a bobagem que se segue.” O sax alto de Mauro e o piano de Gilson nos levam para o outro lado do arco-íris, “onde estorvos se derretem como gotas de limão na distância acima das chaminés…”
O tema de Cinema Paradiso – cativante filme sobre uma sala de projeção de uma cidadezinha italiana – é do especialista Ennio Morricone, autor de mais de 500 trilhas para o cinema e a TV. Mauro e Gilson se rendem à beleza do tema e passeiam serenamente em torno dele, o diálogo instrumental concentrando-se mais nas variações de timbre do sax e nos toques do teclado.
Uma das baladas mais belas que emergiu do cinema, The Shadow of Your Smile, Oscar de melhor canção, já deixou bem para trás seu filme, Adeus às ilusões (1965), uma das muitas parcerias de Liz Taylor e Richard Burton que não fizeram bem ao casamento nem à carreira dos dois. Com inteligência e sensibilidade, Gilson e Mauro se rendem à melodia de Johnny Mandel e tecem arabescos (alô, Debussy) ao redor dela. O fantasma de Gershwin ouve das coxias: na introdução de Gilson e em duas passagens de Mauro, especialmente no final, podemos captar sutis alusões a An American in Paris.
Quem lembra ou quem viu um filme chamado Tempo para amar, tempo para esquecer, de 1969? Não importa, vale é que a canção de Michel Legrand, What Are You Doing the Rest of Your Life? – indicada para o Oscar – se tornou outra daquelas maravilhas favoritas do jazz.
O decano do repertório, Someday My Prince Will Come, de 1937, foi composto para um dos grandes desenhos de Walt Disney, Branca de Neve. A melodia é apresentada pelo belo baixo acústico de Zeca Assumpção, que se entrelaça com a base rítmica nos solos inspirados de Gilson e Mauro (no sax alto).
Uma das mais bonitas parcerias de Tom Jobim e Chico Buarque, Eu te amo (1981), para o filme do mesmo nome, é outro duo sax alto-piano, tocado com alta intensidade: é incrível como, mesmo no espaço puramente instrumental, pressentimos toda a riqueza da letra de Chico Buarque, que entrou no nosso inconsciente para nunca mais apagar.
Outra canção de um desenho de Walt Disney que conquistou o jazz é When You Wish Upon a Star, de Pinóquio (1940). O soprano de Mauro expõe a melodia com uma delicadeza vocal e a leva até o fim, em meio a contrapontos harmônicos e um solo singelo de Gilson. Há um momento curioso em que o soprano tenta improvisar mais livremente, mas se rende à força da melodia e volta ao tema.
Raras parcerias foram tão marcantes quando a de Federico Fellini e Nino Rota. E em nenhum filme ela foi tão exuberante como em Amarcord. A flauta em sol de Mauro evoca todo o lirismo lancinante do tema; Gilson brinca sobriamente com a melodia. A música é vibrante e nos leva de volta àquele que foi um dos filmes mais nostálgicos do grande Federico.
Outro músico que deu uma colaboração inestimável ao cinema foi o polivalente Leonard Bernstein. Em Amor, sublime amor (1961), a história de Romeu e Julieta transposta em forma de balé para o West Side da Nova York dos anos 1950, ele fez canções que se eternizariam no Songbook americano. Mauro e Gilson passeiam no sax alto e piano por duas destas pequenas obras-primas, Somewhere e I Feel Pretty.
O diretor de Laura, Otto Preminger, queria usar Sophisticated Lady de Duke Ellington como tema, mas o compositor David Raksin achou que não refletia o perfil da heroína. Foi intimado então a compor o tema num fim de semana. Raksin conta que justo então recebeu uma carta da mulher terminando o casamento e “a canção se escreveu sozinha.” O filme foi lançado em 11 de outubro de 1944 e músicos de jazz correram para gravar Laura: Erroll Garner, Woody Herman (45), Stan Kenton (46), Sidney Bechet (47), Dave Brubeck (49) e Charlie Parker (com cordas, 50). Laura foi gravada mais de 400 vezes. A interpretação de Mauro e Gilson concorre com as melhores. O sax soprano acaricia a melodia como o detetive do filme que se apaixona pela misteriosa mulher do retrato. Gilson faz um belo solo pós-impressionista e, na coda, cita de leve seu fetiche Invitation (de outro filme que ninguém viu, mas ficou para sempre a música).
Grande parte da atmosfera do filme noir em cores de Roman Polanski, Chinatown (1974) – passado na Los Angeles retrô dos anos 1930 – se deve à partitura de Jerry Goldsmith. Mauro expõe o tema sombrio no soprano, acompanhado pelos comentários sutis do baixo de Zeca Assumpção, Gilson trabalha sobre a tessitura harmônica e Mauro retoma o tema até o final.
Michel Legrand está de volta com Houve uma vez um verão (1971), que lhe rendeu o Oscar de melhor música. Mauro toca flauta na introdução da canção, The Summer Knows, Gilson expõe o tema, Mauro improvisa no sax alto, Gilson faz um breve solo e os dois voltam ao tema, tudo numa atmosfera meditativa e triste bem no clima do filme de Robert Mulligan.
Numa antologia destas não poderia faltar Henry Mancini. Hatari! quer dizer perigo em suaíle e o tema de Mancini casa admiravelmente com esta comédia de 1962 sobre um bando de caçadores trapalhões na África. Na faixa mais longa do álbum, Gilson (mais percussivo no piano), Mauro (flauta baixo e piccolo) e Mingo Araújo (moringa africana e talking drum) recriam toda a emoção do filme de Howard Hawks.
Cinema a dois é destes álbuns que exploram um filão tão rico que, mal acaba de ouvir, você já fica ansiando pelo segundo volume…
Informações: 3397-0517